Há algum tempo, sentia muita raiva dos tempos de pandemia. Ficaram muitas cicatrizes, especialmente sobre a dificuldade de gestar e de aprender a cuidar de um ser humano tão dependente, sem poder contar com rede de apoio, sem ter apoio presencial, sem ter quem acompanhasse o processo.
Foi duro.
Ah, mas teve vídeo chamada... Teve. Teve muita coisa, inclusive as pessoas evitando se aproximar da gente por conta do risco da pandemia e eu, grávida, sendo grupo de risco. Mas também teve raiva de ver as mesmas pessoas viajando e saindo, enquanto repetiam para a gente: fiquem em casa.
Eu não passei o Natal de 2020 com minha mãe, mesmo morando ao seu lado, porque fiquei 3 horas e meia no dia 23/12 no consultório médico esperando para colher um material para um exame. Isso porque eu tinha medo. Minha mãe é grupo de risco, asmática, idosa...
Felizmente, todos sobrevivemos. Mas nem todos.
Explico: Quando uma pessoa deixa de visitar você para preservar você, porque ela está se expondo a muitos riscos, e esses riscos eram decorrentes de trabalho, por exemplo, você entende que é um carinho, uma consideração. Quando uma pessoa deixa de visitar você supostamente para preservar você, mas viaja, sai com familiares de outras pessoas, enquanto estava trabalhando 100% remoto, você entende que não é importante o suficiente para essa pessoa.
Quando um filho não celebra por 2 anos o aniversário da própria mãe com a desculpa de que estamos vivendo uma pandemia, ele diz que a mãe não é tão importante assim, porque ele poderia, sim, ele poderia ter ficado 15 dias em casa quieto, para não botar a mãe em risco. Mas não.
Enfim, essas dores de pandemia foram me quebrando ao longo dos anos. Saber que você é sempre o segundo ou terceiro plano de pessoas importantes vai quebrando a gente aos poucos.
Mas terça-feira minha mãe passou o dia inteiro comigo, por conta do exame do mapa de 24 horas de pressão arterial e, nesse dia, eu me dei conta de uma coisa muito importante: meu filho foi a principal razão de eu não enlouquecer na pandemia.
Gente, eu sei que sou privilegiada de ter um cargo público e ter a geladeira cheia durante toda a pandemia. Cortem isso. Eu reconheço minha sorte. Não estou discutindo isso.
Eu também sei que meu filho deu outra dimensão à pandemia. Apesar do cansaço, ter um ser humaninho em formação, crescendo, conquistando suas vitórias, tudo isso fez com que a pandemia não virasse apenas um foco de política. Hoje eu vejo que muitos só vivem e respiram e conversam sobre isso, sobre Bolsonaro, sobre Lula, sobre, sei lá, o Alexandre de Moraes. Conversam e cancelam uns aos outros como integrantes de fã clube.
Então, perdoem se eu não abro a boca para falar sobre a guerra da Palestina, se eu não falo sobre o cara eleito na Argentina, se eu não me posiciono sobre o que um influencer xpto da vida falou no Insta ou no X (X, gente? Taqueopaliu, pra mim é Twitter e fds)... Na verdade, nem perdoem, porque não há o que se perdoar.
Eu só não quero gastar minha energia com isso, porque a minha meia dúzia de três ou quatro palavras não vai mudar nada. E eu não vou me sentir uma pessoa melhor só porque eu falo que A é legal e B tem cheiro de cocô.
Essa semana eu finalmente entendi que meu filho foi o livramento maior que eu poderia ter. Um significado novo. Qual o mundo que eu quero deixar pra ele? Um mundo em que eu largue o discurso no teclado para estar ao lado dele brincando de carimbo.
É sobre isso.
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