Cada pessoa tem uma maneira de demonstrar afeto. Algumas são mais físicas, com abraços, beijos e toques. Algumas são com presentes, mimos que traduzem "lembrei de você". Algumas são com palavras, faladas ou escritas. Algumas são com comidas, sobremesas ou principais. Algumas com preocupação.
E cada pessoa tem uma expectativa de afeto diferente. Normalmente as pessoas físicas querem afetos físicos, e por aí vai.
Hoje me peguei pensando em como essas diferentes maneiras de demonstrar afeto acabam gerando conflitos, e a nossa incapacidade de se comunicar, notadamente nos dias atuais, acaba piorando e se tornando um problema.
Pessoas que não são físicas muitas vezes têm nervoso de serem tocadas. Pessoas que são mais artesanais se sentem desvalorizadas com coisas feitas em massa e sem zelo...
Meu pai, por exemplo, nunca foi uma pessoa de demonstrar afeto fisicamente ou com palavras. Ele demonstrava o afeto dele com cuidados, com mimos, com café de noite, com maçãs e copos de suco de uva.
Um dia eu havia preparado uma mega salada de almoço para mim, e pedi para ele guardar na geladeira do trabalho dele (eu estudava perto do trabalho dele). Ele ficou ocupado e quando era umas 15 ou 16 horas, ele voltou pra sala dele e me encontrou do lado de fora, porque eu havia esquecido a chave dele, e por isso não almocei. Ele abriu a porta, e na frente de outra pessoa me disse: "Você é burra, é?". Naquele dia eu chorei muito e respondi: "Eu cometi um erro, mas você não pode me chamar de burra na frente de alguém que nem conheço". Meu pai estava muito preocupado, e foi o jeito dele demonstrar isso. Hoje eu sei. Mas ele não sabia que eu era chamada de burra na faculdade várias vezes, e que me chamar de burra ali foi a pá de cal no meu emocional que já estava um caco. Ele não sabia porque a minha maneira de demonstrar afeto era resolvendo meus problemas sozinha.
Minha mãe não é uma pessoa física e nem de palavras. Eu acho que nunca ouvi ou vou ouvir um "eu te amo" da minha mãe. Ela, criada em escola de freiras, me dizia "amar, somente a Deus". Para ela, dizer que gosta de alguém já é muito difícil.
Eu sou uma pessoa que já fui mais física. Meus abraços eram constantes e intensos. Mas eram muito abertos, e eu fui me fechando com o tempo, com as feridas, com as decepções. Hoje eu abraço muito pouco. E, se eu abraçar alguém, é porque eu confio muito nessa pessoa. Nem sempre estou bem para abraçar. É muito, muito difícil pra mim. E olha que costumavam dizer que eu tinha um abraço muito bom...
Eu já fui mais física. Quando criança, gostava de beijar o rosto. Até que morei no exterior e acham essa prática tão comum na América Latina como algo grosso ou nojento. Eeeeeww, you're sooo nasty...
Então, somos moldados pelos nossos traumas e feridas.
Eu já fui mais expressiva, já fui muito romântica. Hoje, guardo essa energia quando estou inspirada para escrever contos.
Minha cabeça é aleatória. Minha linha de raciocínio é torta. Minha capacidade de argumentação é tudo, menos direta. É cheia de metáforas, silepses, hipérboles e caos. Ainda assim, como minha memória de elefante é relacional, faz sentido, mas só na minha cabeça.
E eu convivo principalmente com pessoas literais. Minha mãe é literal. Meu marido é literal. Aparentemente filhote é literal. E pra mim é MUITO, MUITO difícil ser literal.
Então, veja, as minhas principais interações são difíceis, demandam energia e trabalho.
Você que leu até aqui percebe que eu ainda não cheguei ao ponto, né? Eu comecei com uma apresentação do tema, que foi até razoavelmente direta, depois exemplifiquei, depois reexemplifiquei, depois acrescentei um primeiro argumento para construir a primeira discussão.
Contexto, para mim, é muito necessário. E eu confesso que não gosto da maneira como proseamos hoje em dia, via mensagem de texto, porque faltam aquelas social cues que só pescamos enquanto observamos o interlocutor. Além disso, as conversas assíncronas são piores, porque elas são em momentos distintos.
Mas, voltando, estamos falando sobre afeto.
Meu pai nunca esqueceu uma data especial. Na véspera do aniversário de noivado, de casamento, do dia dos namorados ou do aniversário de minha mãe, ele olhava para mim e falava "Amanhã é dia de apanhar na bunda!", se ele esquecesse. Ele nunca esqueceu. Ele sempre comprou um buquê de rosas vermelhas. No último dia dos namorados, ele não conseguiu um buquê, então comprou 12 rosas individuais. Um rim. Ele não se importava. No último aniversário da minha mãe, eu impedi que ele comprasse, porque queria comprar uma rosa para cada ano de vida. Eu impedi que ele desse o último presente para ela, e isso me consomw às vezes.
Quando ele faleceu, eu prometi que manteria as flores. Tirando o período da pandemia, eu nunca deixei passar em branco, ainda que só me dê conta da data às 19 horas.
Meu pai me ensinou a demonstrar o afeto mostrando que se lembrou da gente.
Mas com facebook e afins, a gente foi se acostumando a não lembrar naturalmente dos dias. Eu perdi o hábito de mandar parabéns, mas me esforço.
Minha mãe, por outro lado, demonstra afeto com comida. Ela faz o prato que a gente mais gosta, ou me liga quando fez algo que ela sabe que eu gosto.
Eu aprendi com ela a fazer um bolo de lembrança, um brigadeiro de panela quando as coisas estão ruins.
Mas como eu demonstro afeto?
Parei para pensar em como Eu, não Clara, demonstro afeto.
E me dei conta hoje que eu demonstro afeto resolvendo problemas. A minha vida pessoal e a profissional me levaram a um posicionamento muito prático (e não natural) da vida. Eu penso. E eu penso tanto que meu cérebro ta exausto. A carga mental de quem toma a frente de quase tudo é esgotante e invisível. Então, se na minha vida alguém pudesse me dar um presente, eu realmente queria que fosse uma solução.
Por isso, minha maneira de demonstrar afeto é ouvir e tentar achar algo que possa fazer para diminuir a angústia. Então, eu vou achar aquela revista publicada em 1980 no Mercado Livre. Eu vou achar a peça de reposição do seu aparelho. Eu vou ajudar a contestar uma conta que veio errada. Eu vou passar os dados de contato do órgão público que é responsável para resolver algum dos seus problemas.
Essa é minha maneira de demonstração de afeto.
Então, quando filhote batia a cabeça na lateral da cama, eu construí uma barreira física de costura, por exemplo.
Eu vou demonstrar meu afeto fazendo uma festa surpresa para você, mas eu talvez não consiga ficar na sua festa, porque interagir com mais de 3 pessoas já me esgota.
Só que as pessoas têm expectativas diferentes. Você quer consolo, eu ofereço trabalho. Eu quero silêncio, você me oferece abraço. E isso vai gerando pequenos conflitos que se ampliam.
Com meu marido, que é literal e não interpreta linguagem corporal ou dicas sociais, faz anos que combinei uma tática que funciona muito bem entre a gente. Antes de começar a conversa, eu explico o que eu quero.
Exemplo: "Sobre aquele assunto, eu sei que não tem muita solução e eu vou ficar chateada, não é culpa sua, você não contribui para isso. Eu só quero organizar as ideias" e a gente conversa.
Com ele, preciso sempre explicar que não estou chateada com ele primeiro (a não ser que esteja, obviamente), porque isso já tira a ansiedade inata de achar que ele contribuiu. E, como eu disse, eu não consigo falar de maneira direta. Eu dou voltas e voltas e voltas até tangenciar a questão. Não é de propósito, é como meu cérebro funciona. Por isso e outras coisas, sexta-feira finalmente é minha consulta com a psiquiatra.
Hoje conversando com um dos meus melhores amigos, propus o mesmo mecanismo. Antes de começarmos qualquer conversa séria, explicar o que quer e o que não quer.
Justamente porque que não sou uma pessoa física. E eu sou uma pessoa que se frustra muito com impotência. Ouvir um relato de uma pessoa importante e não poder fazer nada pela pessoa me consome. Bate muito mal. Impotência é a principal causa de frustração pra mim. E eu reajo à frustração com violência. Não é saudável, eu NÃO sei agir de outra forma. Eu vou te chamar de burro porque você esqueceu a chave porque eu estou preocupada porque você não almoçou.
Estou fazendo terapia. Nem sempre acho que me ajuda. Mas quando eu me vejo diante dessas situações, algumas coisas estão ficando menos nebulosas para mim.
Então, veja bem, eu não vou prometer que não vou magoar você ou que não irei ser ríspida. Eu não sei, neste momento, agir diferente. Mas estou aberta a tentar aprender a lidar de forma diferente.
Eu nunca vou prometer algo que eu não vá me ferrar para cumprir (exceto quando prometi ao meu pai, no leito do hospital, que eu usaria chinelo em casa. Eu não consigo). Então quando eu prometo algo, é sempre como um fardo.
Quando eu marco algo, a ansiedade me atrapalha demais, as expectativas são altas e eu me frustro. E a minha frustração é ruim.
Eu não vou prometer melhorar, mas eu vou fazer o possível. Eu VOU errar. Eu vou pisar na bola, mas eu quero que você entenda que isso diz mais sobre mim do que sobre você. Não é pessoal. Eu não quero magoar e o problema não é você. Mas eu sou imatura. Estou trabalhando isso, mas não posso prometer que não irei repetir.
E também estou tentando me concientizar de que a rejeição fala muito mais sobre mim do que dos outros. Se eu me sinto rejeitada, não quer dizer que efetivamente fui, mas eu internalizei aquilo como uma rejeição. E quem tem o poder de mudar isso não é o outro, mas sim eu.
Compliquei né?
Se você precisa de um abraço, me diga bem alto e claro que você precisa de um abraço. Entenda que eu não vou fazer isso naturalmente, porque não é assim que eu reajo. Mas, se isso não for me agredir (porque há dias em que agir fisicamente, pra mim, é quase como um agressão), eu vou te dar o abraço. Mas seja claro.
Se você quer silêncio ou um boost de autoestima, me diga, porque eu não tenho filtro naturalmente.
Penso que, se cada um de nós for capaz de identificar o protocolo antes de começar a interação, a tendência é que o conflito e as violações sejam mínimos. Pense que, quando um computador manda uma mensagem para outro, a primeira parte da mensagem sempre indica o tipo de mensagem, para quem se destina, de onde partiu, e só então começam os comandos, por assim dizer.
E eu já nem lembro mais qual era o tópico central daqui.