quinta-feira, 21 de março de 2024

What do I know?

Hoje de manhã, senti muita vontade de escrever - e tinha a ideia de fazê-lo ao chegar ao trabalho. Mas, não, o Google não me autorizou a acessar minha própria conta para atualizar meu próprio blog sem que eu estivesse com meu telefone por perto (a audácia!). E, assim, o pensamento se perdeu.
Não era mentira.
Ou melhor, era. Mas era uma incoerência bem no estilo do poeta fingidor, que finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
O ano foi 1998. Meu primeiro contato com Pessoa foi na primeira VC de Literatura. Assim, direto na prova, de uma matéria que eu já amava, com uma professora que eu amava mais ainda, mas, por ironia do destino (e por total falta de imaturidade), em cuja primeira VI dos meus áureos tempos de Colégio não havia me saído bem. Uma nota 4. Nunca havia tirado menos do que 5,8 na minha vida até então, e, de repente, aquele 4. A audácia daquele 4 me incomodou por muito tempo, mas Física me fez acostumar-me com avaliações ruins.
Pois bem, foi na primeira VC de Literatura que o encontrei. E, confesso, naquela primeira troca de versos com Fernando, descobri minha identidade. Uma mentirosa nata que traduzia textos sofridos com a tristeza falsificada que mascarava a dor que ninguém via escondida. Pessoa me acolheu como ninguém havia feito. E, aparentemente, minha professora se encantou com minha resposta a ponto de tê-la lido em todas as suas turmas, inclusive na turma daquele que viria a causar a primeira grande dor escondida num poema perdido. Mas isso é prosa para outro momento.
Assim como o Nando, o Beto, o Rick e o Alvinho, fragmentei-me em pedacinhos compactos, obviamente desprovidos do talento da minha fonte de inspiração. Assim como o Nando, continuei e continuo sentindo a dor que finjo sentir.

Dito isso, acho que posso começar a rascunhar o pensamento que pousou na consciência nesta manhã. 

Marina olhou para o álbum de fotografias com um sorriso leve no canto dos lábios. Havia naquela pesada resma um sentimento leve que destoava dos grilhões que muitas vezes acorrentavam suas memórias. Pegou uma caneta e decidiu escrever a frase que brotou ao pé de seu ouvido: todo mundo merece um amor fofo que lhe faça bem.
Os romances da infância sempre traziam um cavaleiro predestinado a salvar as donzelas de suas próprias maldições. Príncipes que as beijariam sem consentimento e as levariam para uma vida de rainha, sem nunca terem trocado uma palavra. Era para ser.
Talvez por buscar uma paixão idealizada e sem sentido, a bússola do coração de Marina sempre apontou para caçambas de entulho, em vez de pessoas de verdade. E talvez por isso Marina nunca havia se dado valor até o dia em que conheceu seu amor fofo.
O primeiro amor fofo dificilmente será recíproco e, ainda mais raramente, será para sempre. No entanto, eterno é o bem que traz apaixonar-se por alguém que vale a pena amar.
Todo mundo merece um amor fofo que lhe faça bem, que lhe complete sem o(a) concluir.
Aquele rapaz escondido dentre tantos outros rostos da foto era seu amor fofo, e talvez ele nunca viesse a saber disso, ou talvez até desconfiasse, ou porventura até tivesse certeza, mas como ser fofo que era, nunca dividiu com ela suas desconfianças.
Lembrou-se das tardes de conversas aleatórias, matemáticas em prosa e poemas biológicos, em meio a cifras de uma melodia que não era tocada em nenhum violão. Naquela época, Marina era versos com algum ritmo e muitas silepses.
Hoje Marina sorri quase verborrágica enquanto revive os enigmas que achava deixar no ar. Lembrou-se então dos toques de dedos, sempre incidentais, mas que a arrepiavam como se alta corrente atravessasse seu corpo e conduzisse a energia que brotava da diferença de tensões, enquanto as intenções dela eram desintencionadas, porque um amor fofo de verdade é platônico como o amor de irmãos, e muitas vezes só se revelava quando revisitado com o olhar da maturidade.
Aquele sorriso discreto, meio de lado, encabulado, de mãos dadas a outra pessoa - que obviamente não era Marina -, aqueles braços envolventes que aquecia até mesmo a alma gelada de quem não tinha amor próprio, aquela voz engraçada que lhe fazia cócegas nos olhos... tudo naquela pessoa a tornava irremediavelmente fofa.
Sentiu a garganta coçar numa gargalhada boba, como se fosse uma criança de três anos subindo na cama sem permissão.
Esse amor fofo de Marina foi quem a fez entender que ela também tinha valor e que merecia achar alguém que a visse além de olhá-la.
Onde estaria o rapaz de quem não lembrava o nome? Seria ele hoje um pai de família? Teria encontrado seu amor concreto e duradouro? Torcia para que sim, embora nada soubesse daquele que fora tão importante para ela.
Imaginou se já não teriam se esbarrado numa estação de metrô ou num ponto de ônibus, se não teriam trabalhado no mesmo prédio em algum momento... por onde andaria?
Mas não conseguiria encontrá-lo por mais que procurasse, já que seu nome havia se dissipado como as cores desbotadas de uma fotografia que ficara muito tempo exposta ao sol. Torcia então para que ele se lembrasse dela e fosse ao seu encontro, e que ele recordasse que seu nome não era Marina, mas sim Clara.

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